terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sabe gente...

Preciso aprender a só ser. Ouvi essa frase há bem mais de uma década, cantada por Gilberto Gil. Parece que é do Lupicínio Rodrigues. De qualquer forma, a identificação com essa constatação foi tão profunda que até hoje, volta e meia, eu me repito: preciso aprender a só ser.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Brainwashington

Escrevi, me deliciei, deletei. Estava ruim, mas pra mim serviu. Esse texto é ruim, mas que importa? Outros textos e outubros virão. Enquanto isso, escrevo a esmo. Como ando. Ando, ando e ando. Depois desando. Assim escrevo, desescrevo, nada subscrevo. Nem descrevo, que não sei. E agora descobri uma nova (velha) brincadeira. Com as palavras. Vê como elas se parecem? Aparecem, depois desaparecem. Sem nada transparecer. Só quero que as palavras saiam a esmo. De novo esmo? Que importa? Leitores dessa livre dissociação? Não sei. As palavras querem sair, e isso basta. Desorganizadas mesmo, sem encadeamento, querem sair. E eu permito. Pelo menos aqui permito. Basta?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Querência

Eu queria ser como os poetas


que tiram liras da pedra

Ou como os homens práticos

Que tiram pedras da lira

Ou ainda como o vulgo

Que pisa sobre as pedras e as liras

E não sente, pois

Suas solas têm cascos



Mas, o que sou?

Nem poeta

Nem prático

Nem vulgo

Só tenho o sentimento do mundo

Embora não me chame Carlos nem Raimundo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Monólogo a dois

- O que quiseste dizer com aquilo?

- Aquilo o quê?

- Aquilo que falaste.

- Quando?

- Vai dizer que não lembras?

- Eu falo tanta coisa.

- Mas aquilo foi absurdo!

- Aquilo o quê?

- Cara, tu és muito dissimulado mesmo. Não quero mais nem papo contigo. (vira-se para ir embora)

- Ei, espera aí!

- Que foi?

- Agora me conta. O que eu falei?

- Se não sabes, eu que vou saber?

- Acabaste de dizer.

- E não lembras mais?

- Não, acabaste de dizer que eu falei o que eu não sei.

- Não, tu sabias muito bem. Estavas sóbrio.

- Puta que pariu, é difícil conversar contigo, hein?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Possível história de Pimenta Neves

Olhou no calendário e constatou: fazia três anos que não saía de casa, desde a morte da sua mulher, cujo principal suspeito era ele. Não podia conviver com os olhares inquisidores de todo mundo, certos de que ali estava um assassino repugnante, quando adentrava qualquer recinto ou caminhava nas ruas. Os comerciantes recusavam-se a atendê-lo, fechando as caras, e se insistisse poderia ouvir terríveis desaforos. As mulheres não correspondiam a seus olhares desejosos, fitavam-o com pavor, por isso incluíra em sua rotina uma ligação semanal para uma prostituta qualquer, sempre diferente. A maioria, indiferente aos noticiários, não reconhecia o psicopata que naquela época foi o grande filão sensacionalista, e que eventualmente reaparecia. Vivia dos rendimentos de uma poupança privada que, homem previdente, mantinha desde os vinte anos.

De casa acompanhava o mundo com pouco interesse. Via TV, acessava a internet, ouvia rádio, vez ou outra falava ao telefone, quando a mãe ligava, e se desfazia em lamentações que o deprimiam mais ainda. Decidiu não atender mais. A conta de email não era acessada há muito, talvez tivesse sido desativada. Apenas recebia informações, o que de alguma forma o distraía. Sentia-se como um morto insepulto, a quem tivessem negado o direito do descanso eterno. Restos de crenças antigas se acumulavam no seu espírito, impedindo "acabar logo com tudo", palavras que emergiam na consciência, e que se esforçava em empurrar para qualquer outro lugar da mente.

Acendeu mais um cigarro, recomeçou a fumar depois que "isso tudo" aconteceu. Abandonara o vício ainda jovem, esse e outros mais, mas o que pode fazer um semivelho confinado a uma casa escura e solitária?, perguntava irritado, como se algum intrometido o interpelasse. Fumava, esvaziava o bar que mantinha mais como um ícone burguês, masturbava-se compulsivamente e transava com mulheres perfeitas, autoesculpidas. Nos primeiros meses de reclusão tentara espiritualizar-se, com práticas meditativas e orações, mas acabou achando mais prático distrair-se através dos sentidos.

Três anos. Pálido, inexpressivo, naquele dia vestiu o velho paletó e foi à rua, esquecido de si mesmo.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O grande escritor

Tinham-no em conta de um grande escritor. Cinquenta anos de idade, desde muito cedo descobrira que se não escrevesse sua já frágil sanidade mental corria o risco de abandoná-lo definitivamente. Andava sempre com um bloco de papel, ou um pequeno caderno, e nele rabiscava suas impressões sobre o que via. Em grande parte, as anotações eram indecifráveis, seja pela caligrafia grotesca, deformada pelo tédio e pela ira, seja pela inegável originalidade das idéias. Tão originais que nem ele ali se reconhecia. Por esse motivo, não se incomodava se, de repente, alguém surpreendesse seus papéis e tentasse ler aquilo. Entre desenhos estranhos, como a lua que se curvava dando gargalhadas, e o homem composto de mãos, as palavras seguiam-se sem nada revelar.

Até que certo rapaz, magro, alto, e com um olhar enfadonho, lançou-o sobre aquelas frases. "Isso é literatura moderna!", disse. "Tu desvirtuaste a prosa, resgatando sua perdida função poética através do intra-diálogo", completou. O rapaz tinha bons conhecimentos em uma editora, e pediu ao homem que reunisse algo. Como fosse desempregado, e além disso se atraísse pela glória, gostou da idéia. Sem qualquer critério, remexeu os velhos cadernos, e separou uns tantos que já formassem um volume. Intitulou: "Blasfêmias".

E entregou ao rapaz moderno.Os editores, embora estranhassem aquele estilo, gostaram. Era uma obra fragmentária, segundo disseram. Em um mês, "Blasfêmias" estava nas livrarias de todo o país. Críticas em jornais, TV, convites para palestras em eventos diversos, logo o homem figurava no rol dos maiores intelectuais da nação. Alguns poucos olhavam-o com ceticismo, acusavam-o de oportunista, pseudo qualquer coisa. Só que ele já havia sido advertido que surgiriam tais reações, e sabia exatamente como se portar. Os jornalistas procuravam-o para saber o que tinha a dizer sobre a declaração do multiinstrumentista Fulano de Tal. Se fosse para televisão, inclinava a cabeça, sorria debochado e soltava coisas do tipo:

- Quero que esse cara se foda. Ele já era.

No dia seguinte, sua frase saía estampada nas revistas mensais e semanais, reverberava nos programas televisivos, ganhava os outdoors, e os admiradores do grande escritor só aumentavam. O multiinstrumentista, de ícone da cultura nacional, progressivamente tornava-se símbolo de nosso atraso. Ele, o poeta pós-concreto, a atriz cult e mais alguns ícones da cultura nacional, ao investir contra o laureado escritor, automaticamente eram relegados a símbolos de nosso atraso. Os demais logo perceberam essa regra, e, muito embora quisessem enxovalhar o polêmico escritor, disso se abstinham, em nome da própria sobrevivência. Em vez disso, eram orientados a enaltecê-lo. O dramaturgo de primeira, quando apareceu a oportunidade, asseverou:

- Vivemos uma renovação no cenário socio-artístico nacional, e ele é o símbolo disso.

E daí seguiam-se loas e mais loas ao cantado em verso e prosa escritor, e os anos foram passando, sem que alguém ousasse questionar o seu inquestionável valor. Casou-se trinta vezes com as mulheres mais desejadas da nação, e por diferentes razões. Enquanto isso, continuava a encher cadernos e mais cadernos com sua refinada literatura, no entanto, após "Blasfêmias" nada mais publicou. Também nada mais falou após repetir aquelas palavras para os cinco ex-ícones que ousaram enfrentá-lo. Aos cinquenta anos morreu de cirrose, e passados outros vinte começa a ganhar fôlego uma tendência acusando-o de ter sido uma grande farsa.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sim, Shoppenhauer

Música
o mais perfeito dos comentários
conexão direta com a alma
sem atalhos
perpassa-me com seus raios
cada nota é uma orgásmica flechada
ao final
estou confortavelmente dilacerado
e repouso, aliviado.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Pobres cidades ricas

Em meio a discussão sobre a distribuição dos royalties do pré-sal, provocada por emenda do deputado Ibsen Pinheiro, o jornal de divulgação científica da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), levanta uma questão pouco lembrada: o que é feito com o dinheiro do petróleo nos municípios do Norte Fluminense, que recebem a maior parte dos royalties? A matéria mostra que a população continua a ver navios e plataformas petrolíferas de longe... leia aqui.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O Velho - Chico Buarque

O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida iteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar

O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívida, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar

O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Não
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar

terça-feira, 2 de março de 2010

Igreja Católica S/A

A notícia não é da hora, mas segue o meu comentário: diz que D. Orani Tempesta, ex-arcebispo de Belém e atualmente na comarca do Rio de Janeiro, vai processar a Columbia Pictures por "uso indevido" da imagem do Cristo Redentor no filme "2012". Não vi o filme e nem pretendo, pois tudo indica que é um genérico dos outros filmes apocalípticos do diretor Roland Emmerich.

Mas a disposição da Igreja Católica de processar o estúdio pode ser classificada de insana ou oportunista. Como assim, o Cristo Redentor é propriedade da Igreja? Não foi o Governo do Rio de Janeiro que construiu o monumento? Creio que o uso da imagem do principal cartão-postal do Brasil é livre, pois tornou-se um ícone da topografia mundial, largamente utilizado em uma série infinita de imagens. Imagina se a Igreja resolvesse pedir indenização de pintores, fotógrafos, designers e outros artistas que utilizam a imagem do Cristo?

Fica evidente que a esperta Igreja Católica está mesmo é querendo faturar mais um pouco. Já até incorporou Cristo como sua propriedade privada...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deus e Eu

Ainda agora fiz uma oração. É algo que me faz sentir vergonha de mim mesmo, pois não gosto da idéia de acreditar em Deus - ou melhor, acreditar até que vá lá, mas precisar dele, é demais pra mim. Não tenho como negar que a serenidade que essa relação traz é mais agradável que o tumulto de estar entregue a mim mesmo, às minhas emoções confusas e indefinidas. Mas parece que esse bolo de angústia, apesar de incômodo, é aquilo que na verdade sou. E é difícil renunciar a mim mesmo, mesmo que a troca pareça atrativa.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Escrever, o número 3

Falando ainda de J.D. Salinger, achei interessante a declaração atribuída a ele, explicando o seu aparente mutismo: "Gosto de escrever e asseguro a vocês que escrevo com regularidade. Mas escrevo para mim mesmo, por prazer. E quero ficar sozinho para escrever". Talvez um dia tenhamos acesso ao tanto que Salinger escreveu, e então saberemos se o escritor de fato merece figurar entre os grandes da literatura, ou se os escritos pós “O apanhador no campo de centeio” são medíocres. Mas isso é o que menos importaria para ele, caso estivesse vivo. Salinger deixa claro que a literatura para ele era uma atividade inerente à sua natureza, quase uma necessidade fisiológica. Podemos fazer essa comparação, pois tais como as outras necessidades dessa ordem, a literatura objetiva expelir as impurezas que do contrário iriam deteriorar o organismo do escritor.

Eu escrevo todos os dias. Grande parte do que produzo – ou melhor, expilo – não tem a menor razão para ser publicado. São frases insensatas, incompletas, e também confissões feitas para o papel – e que em uma reflexão voltam para mim. De outra forma, não teria como me conhecer. E me conheço pouco. Há muito o que escrever. Cada qual tem a sua cota de necessidade.

A imprensa noticiou a frase de Salinger como algo absurdo: como é que pode, o cara escreve e não edita? Que desperdício! Pensam que a literatura é um simples objeto cultural e mercadológico, que “precisa” ser vendida, “precisa” ser exposta aos outros. Hoje em dia vemos muitos livros nas revistarias, – estamos no tempo delas – e isso não é por acaso. Revistarias em geral vendem revistas, não livros. Mesmo quando essas revistas vêm travestidas de livros. Uma revista é um veículo de consumo rápido, trazendo um amontoado de informações e quase nenhum conhecimento. Assim são muitos dos “livros” que elas comercializam. Volumes fabricados oportunisticamente, de acordo com a onda do momento. Obama e Lula são os caras? Vamos lançar biografias e mais biografias deles, mesmo que suas vidas não pareçam estar perto do fim! Antigamente os biografados ou narravam sua própria história quando sentiam sua vida útil se esvair, ou eram resgatados pelos biógrafos após a sua morte – quando se poderia ter maior noção da importância histórica daquele indivíduo.

Estou fugindo do assunto. Isso é normal, não faço de propósito. Conforme escrevo, as idéias aparecem, e vão ganhando contorno. Talvez um dia eu consiga começar um texto sabendo como ele vai terminar. Mas por ora minhas idéias estão um tanto embaralhadas, e escrevo justamente para organizá-las melhor. Então peço que não reparem na incoerência dessas palavras. O recinto está em obras.

P.S.: genial esse título, hein? hehe

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Poetinha vagabundo

Comprovado: ouvir Vinicius de Moraes faz bem à sáude mental.




Como dizia o poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Aos dezesseis

Aos dezesseis anos, Marta era uma moça destacada: olhar penetrante e que carregava uma espécie de raiva serena, de quem não sente o gosto amargo do próprio sentimento, mas com ele se delicia. Era linda e sabia disso: seios médios e bem firmes, pernas longas e grossas, uma bunda que torturava os meninos magrelos, espinhentos e tolos, quando a viam passar. Às outras meninas, que riam imbecilmente como eles próprios, tinham coragem de fazer "psiu", "oi, posso te conhecer?" e abordagens do gênero. Mas Marta impunha respeito. Seu olhar superior, o andar ereto, o rebolado indiferente, tudo isso intimidava aqueles garotos estúpidos. E punham-se a cochichar quando ela virava as costas. Como se sentissem humilhados, resolveram difundir pela escola que Marta era sapatão, história convenientemente acolhida pelas outras meninas, invejosas que estavam.

Em pouco tempo os olhares para Marta já não traziam mais apenas despeito, desconfiança e desejo reprimido. Os alunos pareciam estar solidários e felizes uns pelos outros, porque podiam olhar Marta como um ser repugnante. Cochichavam entre si que a garota tinha um caso com a professora de História e gozavam de rir ao inventarem mais e mais histórias sobre ela. Só que Marta era mesmo melhor que eles. À raiva serena (é desprezo o nome disso?) juntava-se em seu semblante um sorrisinho irônico. O rebolar de sua bunda parecia mais provocante. A insegurança reinante entre aqueles adolescentes não os permitiu levar muito longe a encenação de superioridade. Marta era fantástica e não estava nem aí para eles, tiveram que admitir.

Naquele colégio, nunca ninguém ouvira a voz de Marta, a não ser os professores, a quem procurava à parte, e falava de igual para igual com eles. Indignados, os alunos observavam-na debater em voz baixa com os professores, e como muitos deles curvavam-se às suas razões. Eles também sentiam-se incomodados com Marta. Quando conversavam na sala dos professores, ou em encontros fortuitos nos corredores, o assunto Marta sempre surgia. "Que garota impertinente", dizia o de Matemática. "Ela é ousada demais pro meu gosto", emendava o professor de Geografia, que nunca perdia uma oportunidade de gabar-se pela sua resistência aos anos de chumbo. Participara de duas ou três passeatas em 1966, depois disso não se sabe de nenhum ato subversivo seu.

Reuniram-se com o diretor da escola para cobrar uma atitude dele quanto àquela menina que se portava de forma inadequada. Afinal, como pode uma garota argumentar com professores? Ainda mais com aquele olhar insolente! O diretor compreendeu as razões dos educadores, e assegurou que iria ter uma conversa com Marta.

Na manhã seguinte, ao entrar na sala de aula um inspetor diz a Marta que o diretor deseja vê-la. Olhou fixamente para o homem, que tremeu os lábios e desviou o olhar. Mas não falou nada e seguiu em direção à diretoria. O diretor a esperava sentado em sua poltrona, com um ar tranquilo e um pouco sarcástico. Marta adentrou a sala com dignidade, sentou-se na cadeira à frente da mesa do diretor, e perguntou o que ele desejava, com um tom de voz cansado, mas muito digno.

Diante daquela moça segura de si, educada e que não aparentava ser causadora de nenhum problema, o diretor arrependeu-se de tê-la trazido a si. "Não, para uma coisa serviu. Aqueles professores frustrados não vêm mais me incomodar, achando que dei um jeito nela", pensou. Mas ele teve uma idéia para resolver de vez a questão: sugerir à Marta que não deixasse transparecer demais a sua luz.

"Isso será bom para a sua sociabilidade. O pessoal daqui não está preparado pra lidar com alguém como você", disse paternalmente. E completou ponderando que no futuro, quando fosse adulta, poderia agir como tal sem nenhum constrangimento. Marta pela primeira vez na sua vida não sabia o que responder. Ficou olhando o diretor longamente, mas em vez de seu olhar penetrá-lo, era visível que estava voltado para si mesma, em uma angústia terrível.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

J.D. Salinger

Como a maioria das pessoas, de J.D. Salinger só li "O apanhador no campo de centeio". Isso foi há quatro anos atrás, quando eu tinha 19 anos. Praticamente um pós-adolescente. Mas minha identificação com Holden Caulfield, o moleque de quinze anos que protagoniza a história, foi imediata. Minha idade emocional aos 19 era similar a de um cara de 15.

Pensando bem, me identifiquei mais com o estilo narrativo de Salinger, corrido e aparentemente irrefletido. Acho interessante essa idéia de o escritor se deixar levar pela história (não sei se foi o caso de Salinger) em vez de começar o texto com um plano determinado. Lembro que quando li "Filosofia da composição", de Edgar Poe, pensei como era difícil ser escritor!

A leitura de "O apanhador..." reacendeu em mim a vontade de escrever alguma coisa, de forma despretensiosa. Meu terrível senso auto-crítico acabou por sepultar minha carreira de escritor-mirim, mais ou menos com onze anos de idade. Ao ler Salinger, repensei: "caramba, até que escrever um livro legal não é tão difícil assim!" Essas reflexões estão surgindo agora, comecei esse post querendo falar de Salinger, mas não sabia bem o quê. Talvez sobre a sonoridade respeitável do seu nome, se é que isso existe, mas acho que é um nome digno de um escritor.

Fiquei sabendo pelas notícias de sua morte que J.D. Salinger tornara-se um sujeito recluso há quase 50 anos. Não sabia nem que ele ainda estava vivo. Fiquei sabendo também que ele nasceu no dia 01/01, portanto era do signo de Capricórnio. Para muitos essa informação não quer dizer nada, ou quer dizer que quem liga pra essas coisas é um tapado. Mas isso me ajuda a entender a atitude (e o livro) de Salinger. Não vou explicar por quê, afinal esse não é um blog de Astrologia nem eu um grande entendedor do assunto.

Vá em paz, Salinger. (frase só pra concluir esse texto, tô sem a mínina inspiração)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sinto-me imerso em uma confusão de idéias, desejos e atitudes que me levam a um estado de insatisfação. É como se minha mente fosse atravessada por um grande número de espíritos, que revezam entre si o controle sobre a minha vontade. Preciso retomar (será que um dia tive?) o controle do veículo, que, no final das contas, é meu. Não sei se posso debitar a culpa por esses tormentos a uma "legião estrangeira" ou se meu próprio espírito carece de unidade, tornando-se extremamente suscetível aos estímulos externos. O fato é que escrever sobre isso tem um efeito benéfico, que é o de abrandar essa inquietação, pelo menos momentaneamente.