Há um tempo não escrevia neste blog, não por falta de vontade. Algumas vezes abri a caixa de texto e comecei a digitar alguma coisa, mas uma impressão (ou intuição) persistente de banalidade quanto ao que via na tela, levava-me a bruscamente apagar tudo, revoltado com o fracasso em expressar o que carregava aqui dentro. Vergonha, culpa e superficialidade, para citar alguns dos sentimentos que me dominavam, eram os responsáveis pelo desgosto com minhas próprias palavras. Ainda pretendia dar voz a um personagem que já não mais existia, ou que pelo menos esforçava-me sinceramente para destruí-lo. Ele talvez possa ser descrito como um jovem afetado pela melancolia, e que, como Noel Rosa naquela canção, louvava a capacidade da filosofia em fazer-lhe viver indiferente. O apego a essa imagem, que tem um forte apelo estético, ao lado da consciência de como é fútil tal comportamento, faziam-me rejeitar as coisas que escrevia para alimentar o ego do personagem.
De uns tempos para cá está se passando uma grande mudança em mim, a qual já posso sentir correndo em minhas veias. Tenho vontade de viver, e viver com alegria, compartilhando boas coisas com aqueles que me cercam. As correntes do ego adoecido ainda estão presentes, atraindo-me às suas tendências mórbidas: vaidade, egoísmo, sarcasmo, indiferença, etc. Mas sinto-me feliz em perceber que essas coisas estão cedendo lugar a novos valores, que hoje aprecio muito mais e dos quais quero me aproximar. O ego adoecido insiste em olhar com ceticismo para demonstrações de altruísmo, boa-vontade, afeto, bondade, entre outras virtudes, mas isso é reflexo da inveja por não ser capaz de experimentá-las. Hoje em dia (ou desde sempre?) vemos que a vaidade, o egoísmo, o sarcasmo e a indiferença gozam de um status privilegiado na sociedade, e é muito mais fácil ser aceito por ela se tiveres essas características, as quais, segundo seus valores deturpados, passaram a ser virtudes. E eu não quero mais contribuir com isso.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
sexta-feira, 16 de março de 2012
A dança
Os sons surdos dos tambores
o tilintar dos sinos
vozes dissonantes convidavam à dança
o vinho não embriagava tanto
senti que deixei meu corpo junto aos sapatos
ali amarrotado como uma blusa tirada às pressas
e eu era só alma bailando ainda que não soubesse
meus movimentos foram tomados de uma graça repentina e surpreendente
sem as limitações do corpo e os acanhamentos da mente tudo era possível
no auge da libação, mão potente e implacável agarra-me pela nuca
aferra-me ao corpo, à blusa e aos sapatos.
o tilintar dos sinos
vozes dissonantes convidavam à dança
o vinho não embriagava tanto
senti que deixei meu corpo junto aos sapatos
ali amarrotado como uma blusa tirada às pressas
e eu era só alma bailando ainda que não soubesse
meus movimentos foram tomados de uma graça repentina e surpreendente
sem as limitações do corpo e os acanhamentos da mente tudo era possível
no auge da libação, mão potente e implacável agarra-me pela nuca
aferra-me ao corpo, à blusa e aos sapatos.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Sabe gente...
Preciso aprender a só ser. Ouvi essa frase há bem mais de uma década, cantada por Gilberto Gil. Parece que é do Lupicínio Rodrigues. De qualquer forma, a identificação com essa constatação foi tão profunda que até hoje, volta e meia, eu me repito: preciso aprender a só ser.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Brainwashington
Escrevi, me deliciei, deletei. Estava ruim, mas pra mim serviu. Esse texto é ruim, mas que importa? Outros textos e outubros virão. Enquanto isso, escrevo a esmo. Como ando. Ando, ando e ando. Depois desando. Assim escrevo, desescrevo, nada subscrevo. Nem descrevo, que não sei. E agora descobri uma nova (velha) brincadeira. Com as palavras. Vê como elas se parecem? Aparecem, depois desaparecem. Sem nada transparecer. Só quero que as palavras saiam a esmo. De novo esmo? Que importa? Leitores dessa livre dissociação? Não sei. As palavras querem sair, e isso basta. Desorganizadas mesmo, sem encadeamento, querem sair. E eu permito. Pelo menos aqui permito. Basta?
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Querência
Eu queria ser como os poetas
que tiram liras da pedra
Ou como os homens práticos
Que tiram pedras da lira
Ou ainda como o vulgo
Que pisa sobre as pedras e as liras
E não sente, pois
Suas solas têm cascos
Mas, o que sou?
Nem poeta
Nem prático
Nem vulgo
Só tenho o sentimento do mundo
Embora não me chame Carlos nem Raimundo.
que tiram liras da pedra
Ou como os homens práticos
Que tiram pedras da lira
Ou ainda como o vulgo
Que pisa sobre as pedras e as liras
E não sente, pois
Suas solas têm cascos
Mas, o que sou?
Nem poeta
Nem prático
Nem vulgo
Só tenho o sentimento do mundo
Embora não me chame Carlos nem Raimundo.
domingo, 12 de setembro de 2010
Monólogo a dois
- O que quiseste dizer com aquilo?
- Aquilo o quê?
- Aquilo que falaste.
- Quando?
- Vai dizer que não lembras?
- Eu falo tanta coisa.
- Mas aquilo foi absurdo!
- Aquilo o quê?
- Cara, tu és muito dissimulado mesmo. Não quero mais nem papo contigo. (vira-se para ir embora)
- Ei, espera aí!
- Que foi?
- Agora me conta. O que eu falei?
- Se não sabes, eu que vou saber?
- Acabaste de dizer.
- E não lembras mais?
- Não, acabaste de dizer que eu falei o que eu não sei.
- Não, tu sabias muito bem. Estavas sóbrio.
- Puta que pariu, é difícil conversar contigo, hein?
- Aquilo o quê?
- Aquilo que falaste.
- Quando?
- Vai dizer que não lembras?
- Eu falo tanta coisa.
- Mas aquilo foi absurdo!
- Aquilo o quê?
- Cara, tu és muito dissimulado mesmo. Não quero mais nem papo contigo. (vira-se para ir embora)
- Ei, espera aí!
- Que foi?
- Agora me conta. O que eu falei?
- Se não sabes, eu que vou saber?
- Acabaste de dizer.
- E não lembras mais?
- Não, acabaste de dizer que eu falei o que eu não sei.
- Não, tu sabias muito bem. Estavas sóbrio.
- Puta que pariu, é difícil conversar contigo, hein?
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Possível história de Pimenta Neves
Olhou no calendário e constatou: fazia três anos que não saía de casa, desde a morte da sua mulher, cujo principal suspeito era ele. Não podia conviver com os olhares inquisidores de todo mundo, certos de que ali estava um assassino repugnante, quando adentrava qualquer recinto ou caminhava nas ruas. Os comerciantes recusavam-se a atendê-lo, fechando as caras, e se insistisse poderia ouvir terríveis desaforos. As mulheres não correspondiam a seus olhares desejosos, fitavam-o com pavor, por isso incluíra em sua rotina uma ligação semanal para uma prostituta qualquer, sempre diferente. A maioria, indiferente aos noticiários, não reconhecia o psicopata que naquela época foi o grande filão sensacionalista, e que eventualmente reaparecia. Vivia dos rendimentos de uma poupança privada que, homem previdente, mantinha desde os vinte anos.
De casa acompanhava o mundo com pouco interesse. Via TV, acessava a internet, ouvia rádio, vez ou outra falava ao telefone, quando a mãe ligava, e se desfazia em lamentações que o deprimiam mais ainda. Decidiu não atender mais. A conta de email não era acessada há muito, talvez tivesse sido desativada. Apenas recebia informações, o que de alguma forma o distraía. Sentia-se como um morto insepulto, a quem tivessem negado o direito do descanso eterno. Restos de crenças antigas se acumulavam no seu espírito, impedindo "acabar logo com tudo", palavras que emergiam na consciência, e que se esforçava em empurrar para qualquer outro lugar da mente.
Acendeu mais um cigarro, recomeçou a fumar depois que "isso tudo" aconteceu. Abandonara o vício ainda jovem, esse e outros mais, mas o que pode fazer um semivelho confinado a uma casa escura e solitária?, perguntava irritado, como se algum intrometido o interpelasse. Fumava, esvaziava o bar que mantinha mais como um ícone burguês, masturbava-se compulsivamente e transava com mulheres perfeitas, autoesculpidas. Nos primeiros meses de reclusão tentara espiritualizar-se, com práticas meditativas e orações, mas acabou achando mais prático distrair-se através dos sentidos.
Três anos. Pálido, inexpressivo, naquele dia vestiu o velho paletó e foi à rua, esquecido de si mesmo.
De casa acompanhava o mundo com pouco interesse. Via TV, acessava a internet, ouvia rádio, vez ou outra falava ao telefone, quando a mãe ligava, e se desfazia em lamentações que o deprimiam mais ainda. Decidiu não atender mais. A conta de email não era acessada há muito, talvez tivesse sido desativada. Apenas recebia informações, o que de alguma forma o distraía. Sentia-se como um morto insepulto, a quem tivessem negado o direito do descanso eterno. Restos de crenças antigas se acumulavam no seu espírito, impedindo "acabar logo com tudo", palavras que emergiam na consciência, e que se esforçava em empurrar para qualquer outro lugar da mente.
Acendeu mais um cigarro, recomeçou a fumar depois que "isso tudo" aconteceu. Abandonara o vício ainda jovem, esse e outros mais, mas o que pode fazer um semivelho confinado a uma casa escura e solitária?, perguntava irritado, como se algum intrometido o interpelasse. Fumava, esvaziava o bar que mantinha mais como um ícone burguês, masturbava-se compulsivamente e transava com mulheres perfeitas, autoesculpidas. Nos primeiros meses de reclusão tentara espiritualizar-se, com práticas meditativas e orações, mas acabou achando mais prático distrair-se através dos sentidos.
Três anos. Pálido, inexpressivo, naquele dia vestiu o velho paletó e foi à rua, esquecido de si mesmo.
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