sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deus e Eu

Ainda agora fiz uma oração. É algo que me faz sentir vergonha de mim mesmo, pois não gosto da idéia de acreditar em Deus - ou melhor, acreditar até que vá lá, mas precisar dele, é demais pra mim. Não tenho como negar que a serenidade que essa relação traz é mais agradável que o tumulto de estar entregue a mim mesmo, às minhas emoções confusas e indefinidas. Mas parece que esse bolo de angústia, apesar de incômodo, é aquilo que na verdade sou. E é difícil renunciar a mim mesmo, mesmo que a troca pareça atrativa.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Escrever, o número 3

Falando ainda de J.D. Salinger, achei interessante a declaração atribuída a ele, explicando o seu aparente mutismo: "Gosto de escrever e asseguro a vocês que escrevo com regularidade. Mas escrevo para mim mesmo, por prazer. E quero ficar sozinho para escrever". Talvez um dia tenhamos acesso ao tanto que Salinger escreveu, e então saberemos se o escritor de fato merece figurar entre os grandes da literatura, ou se os escritos pós “O apanhador no campo de centeio” são medíocres. Mas isso é o que menos importaria para ele, caso estivesse vivo. Salinger deixa claro que a literatura para ele era uma atividade inerente à sua natureza, quase uma necessidade fisiológica. Podemos fazer essa comparação, pois tais como as outras necessidades dessa ordem, a literatura objetiva expelir as impurezas que do contrário iriam deteriorar o organismo do escritor.

Eu escrevo todos os dias. Grande parte do que produzo – ou melhor, expilo – não tem a menor razão para ser publicado. São frases insensatas, incompletas, e também confissões feitas para o papel – e que em uma reflexão voltam para mim. De outra forma, não teria como me conhecer. E me conheço pouco. Há muito o que escrever. Cada qual tem a sua cota de necessidade.

A imprensa noticiou a frase de Salinger como algo absurdo: como é que pode, o cara escreve e não edita? Que desperdício! Pensam que a literatura é um simples objeto cultural e mercadológico, que “precisa” ser vendida, “precisa” ser exposta aos outros. Hoje em dia vemos muitos livros nas revistarias, – estamos no tempo delas – e isso não é por acaso. Revistarias em geral vendem revistas, não livros. Mesmo quando essas revistas vêm travestidas de livros. Uma revista é um veículo de consumo rápido, trazendo um amontoado de informações e quase nenhum conhecimento. Assim são muitos dos “livros” que elas comercializam. Volumes fabricados oportunisticamente, de acordo com a onda do momento. Obama e Lula são os caras? Vamos lançar biografias e mais biografias deles, mesmo que suas vidas não pareçam estar perto do fim! Antigamente os biografados ou narravam sua própria história quando sentiam sua vida útil se esvair, ou eram resgatados pelos biógrafos após a sua morte – quando se poderia ter maior noção da importância histórica daquele indivíduo.

Estou fugindo do assunto. Isso é normal, não faço de propósito. Conforme escrevo, as idéias aparecem, e vão ganhando contorno. Talvez um dia eu consiga começar um texto sabendo como ele vai terminar. Mas por ora minhas idéias estão um tanto embaralhadas, e escrevo justamente para organizá-las melhor. Então peço que não reparem na incoerência dessas palavras. O recinto está em obras.

P.S.: genial esse título, hein? hehe

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Poetinha vagabundo

Comprovado: ouvir Vinicius de Moraes faz bem à sáude mental.




Como dizia o poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Aos dezesseis

Aos dezesseis anos, Marta era uma moça destacada: olhar penetrante e que carregava uma espécie de raiva serena, de quem não sente o gosto amargo do próprio sentimento, mas com ele se delicia. Era linda e sabia disso: seios médios e bem firmes, pernas longas e grossas, uma bunda que torturava os meninos magrelos, espinhentos e tolos, quando a viam passar. Às outras meninas, que riam imbecilmente como eles próprios, tinham coragem de fazer "psiu", "oi, posso te conhecer?" e abordagens do gênero. Mas Marta impunha respeito. Seu olhar superior, o andar ereto, o rebolado indiferente, tudo isso intimidava aqueles garotos estúpidos. E punham-se a cochichar quando ela virava as costas. Como se sentissem humilhados, resolveram difundir pela escola que Marta era sapatão, história convenientemente acolhida pelas outras meninas, invejosas que estavam.

Em pouco tempo os olhares para Marta já não traziam mais apenas despeito, desconfiança e desejo reprimido. Os alunos pareciam estar solidários e felizes uns pelos outros, porque podiam olhar Marta como um ser repugnante. Cochichavam entre si que a garota tinha um caso com a professora de História e gozavam de rir ao inventarem mais e mais histórias sobre ela. Só que Marta era mesmo melhor que eles. À raiva serena (é desprezo o nome disso?) juntava-se em seu semblante um sorrisinho irônico. O rebolar de sua bunda parecia mais provocante. A insegurança reinante entre aqueles adolescentes não os permitiu levar muito longe a encenação de superioridade. Marta era fantástica e não estava nem aí para eles, tiveram que admitir.

Naquele colégio, nunca ninguém ouvira a voz de Marta, a não ser os professores, a quem procurava à parte, e falava de igual para igual com eles. Indignados, os alunos observavam-na debater em voz baixa com os professores, e como muitos deles curvavam-se às suas razões. Eles também sentiam-se incomodados com Marta. Quando conversavam na sala dos professores, ou em encontros fortuitos nos corredores, o assunto Marta sempre surgia. "Que garota impertinente", dizia o de Matemática. "Ela é ousada demais pro meu gosto", emendava o professor de Geografia, que nunca perdia uma oportunidade de gabar-se pela sua resistência aos anos de chumbo. Participara de duas ou três passeatas em 1966, depois disso não se sabe de nenhum ato subversivo seu.

Reuniram-se com o diretor da escola para cobrar uma atitude dele quanto àquela menina que se portava de forma inadequada. Afinal, como pode uma garota argumentar com professores? Ainda mais com aquele olhar insolente! O diretor compreendeu as razões dos educadores, e assegurou que iria ter uma conversa com Marta.

Na manhã seguinte, ao entrar na sala de aula um inspetor diz a Marta que o diretor deseja vê-la. Olhou fixamente para o homem, que tremeu os lábios e desviou o olhar. Mas não falou nada e seguiu em direção à diretoria. O diretor a esperava sentado em sua poltrona, com um ar tranquilo e um pouco sarcástico. Marta adentrou a sala com dignidade, sentou-se na cadeira à frente da mesa do diretor, e perguntou o que ele desejava, com um tom de voz cansado, mas muito digno.

Diante daquela moça segura de si, educada e que não aparentava ser causadora de nenhum problema, o diretor arrependeu-se de tê-la trazido a si. "Não, para uma coisa serviu. Aqueles professores frustrados não vêm mais me incomodar, achando que dei um jeito nela", pensou. Mas ele teve uma idéia para resolver de vez a questão: sugerir à Marta que não deixasse transparecer demais a sua luz.

"Isso será bom para a sua sociabilidade. O pessoal daqui não está preparado pra lidar com alguém como você", disse paternalmente. E completou ponderando que no futuro, quando fosse adulta, poderia agir como tal sem nenhum constrangimento. Marta pela primeira vez na sua vida não sabia o que responder. Ficou olhando o diretor longamente, mas em vez de seu olhar penetrá-lo, era visível que estava voltado para si mesma, em uma angústia terrível.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

J.D. Salinger

Como a maioria das pessoas, de J.D. Salinger só li "O apanhador no campo de centeio". Isso foi há quatro anos atrás, quando eu tinha 19 anos. Praticamente um pós-adolescente. Mas minha identificação com Holden Caulfield, o moleque de quinze anos que protagoniza a história, foi imediata. Minha idade emocional aos 19 era similar a de um cara de 15.

Pensando bem, me identifiquei mais com o estilo narrativo de Salinger, corrido e aparentemente irrefletido. Acho interessante essa idéia de o escritor se deixar levar pela história (não sei se foi o caso de Salinger) em vez de começar o texto com um plano determinado. Lembro que quando li "Filosofia da composição", de Edgar Poe, pensei como era difícil ser escritor!

A leitura de "O apanhador..." reacendeu em mim a vontade de escrever alguma coisa, de forma despretensiosa. Meu terrível senso auto-crítico acabou por sepultar minha carreira de escritor-mirim, mais ou menos com onze anos de idade. Ao ler Salinger, repensei: "caramba, até que escrever um livro legal não é tão difícil assim!" Essas reflexões estão surgindo agora, comecei esse post querendo falar de Salinger, mas não sabia bem o quê. Talvez sobre a sonoridade respeitável do seu nome, se é que isso existe, mas acho que é um nome digno de um escritor.

Fiquei sabendo pelas notícias de sua morte que J.D. Salinger tornara-se um sujeito recluso há quase 50 anos. Não sabia nem que ele ainda estava vivo. Fiquei sabendo também que ele nasceu no dia 01/01, portanto era do signo de Capricórnio. Para muitos essa informação não quer dizer nada, ou quer dizer que quem liga pra essas coisas é um tapado. Mas isso me ajuda a entender a atitude (e o livro) de Salinger. Não vou explicar por quê, afinal esse não é um blog de Astrologia nem eu um grande entendedor do assunto.

Vá em paz, Salinger. (frase só pra concluir esse texto, tô sem a mínina inspiração)