quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Aos dezesseis

Aos dezesseis anos, Marta era uma moça destacada: olhar penetrante e que carregava uma espécie de raiva serena, de quem não sente o gosto amargo do próprio sentimento, mas com ele se delicia. Era linda e sabia disso: seios médios e bem firmes, pernas longas e grossas, uma bunda que torturava os meninos magrelos, espinhentos e tolos, quando a viam passar. Às outras meninas, que riam imbecilmente como eles próprios, tinham coragem de fazer "psiu", "oi, posso te conhecer?" e abordagens do gênero. Mas Marta impunha respeito. Seu olhar superior, o andar ereto, o rebolado indiferente, tudo isso intimidava aqueles garotos estúpidos. E punham-se a cochichar quando ela virava as costas. Como se sentissem humilhados, resolveram difundir pela escola que Marta era sapatão, história convenientemente acolhida pelas outras meninas, invejosas que estavam.

Em pouco tempo os olhares para Marta já não traziam mais apenas despeito, desconfiança e desejo reprimido. Os alunos pareciam estar solidários e felizes uns pelos outros, porque podiam olhar Marta como um ser repugnante. Cochichavam entre si que a garota tinha um caso com a professora de História e gozavam de rir ao inventarem mais e mais histórias sobre ela. Só que Marta era mesmo melhor que eles. À raiva serena (é desprezo o nome disso?) juntava-se em seu semblante um sorrisinho irônico. O rebolar de sua bunda parecia mais provocante. A insegurança reinante entre aqueles adolescentes não os permitiu levar muito longe a encenação de superioridade. Marta era fantástica e não estava nem aí para eles, tiveram que admitir.

Naquele colégio, nunca ninguém ouvira a voz de Marta, a não ser os professores, a quem procurava à parte, e falava de igual para igual com eles. Indignados, os alunos observavam-na debater em voz baixa com os professores, e como muitos deles curvavam-se às suas razões. Eles também sentiam-se incomodados com Marta. Quando conversavam na sala dos professores, ou em encontros fortuitos nos corredores, o assunto Marta sempre surgia. "Que garota impertinente", dizia o de Matemática. "Ela é ousada demais pro meu gosto", emendava o professor de Geografia, que nunca perdia uma oportunidade de gabar-se pela sua resistência aos anos de chumbo. Participara de duas ou três passeatas em 1966, depois disso não se sabe de nenhum ato subversivo seu.

Reuniram-se com o diretor da escola para cobrar uma atitude dele quanto àquela menina que se portava de forma inadequada. Afinal, como pode uma garota argumentar com professores? Ainda mais com aquele olhar insolente! O diretor compreendeu as razões dos educadores, e assegurou que iria ter uma conversa com Marta.

Na manhã seguinte, ao entrar na sala de aula um inspetor diz a Marta que o diretor deseja vê-la. Olhou fixamente para o homem, que tremeu os lábios e desviou o olhar. Mas não falou nada e seguiu em direção à diretoria. O diretor a esperava sentado em sua poltrona, com um ar tranquilo e um pouco sarcástico. Marta adentrou a sala com dignidade, sentou-se na cadeira à frente da mesa do diretor, e perguntou o que ele desejava, com um tom de voz cansado, mas muito digno.

Diante daquela moça segura de si, educada e que não aparentava ser causadora de nenhum problema, o diretor arrependeu-se de tê-la trazido a si. "Não, para uma coisa serviu. Aqueles professores frustrados não vêm mais me incomodar, achando que dei um jeito nela", pensou. Mas ele teve uma idéia para resolver de vez a questão: sugerir à Marta que não deixasse transparecer demais a sua luz.

"Isso será bom para a sua sociabilidade. O pessoal daqui não está preparado pra lidar com alguém como você", disse paternalmente. E completou ponderando que no futuro, quando fosse adulta, poderia agir como tal sem nenhum constrangimento. Marta pela primeira vez na sua vida não sabia o que responder. Ficou olhando o diretor longamente, mas em vez de seu olhar penetrá-lo, era visível que estava voltado para si mesma, em uma angústia terrível.

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