No último post falei sobre uma "necessidade existencial de escrever". Lá se vão quase duas semanas que escrevi aquele parágrafo, e cá está este blog, aparentemente abandonado. Aparentemente, porque o painel está cheio de rascunhos, projetos mal acabados de qualquer coisa. São quase reflexões sobre política, fagulhas de literatura, promessas de desabafos. Mas bem antes do meio do caminho, em uma metáfora do que acontece em minha vida, desisto de seguir adiante. Espero que esse texto tenha um destino diferente. Escrever é muito bom, mas publicar é o que fecha o ciclo. Um texto não publicado é como se permanecesse na cabeça de quem o concebeu. Li isso em algum lugar, não com essas palavras, e concordo com o autor.
Ultimamente sinto-me impelido a um gênero próprio de pessoas mais velhas, que estão mais pra lá do que pra cá: memórias. Não quero esperar os meus sessenta anos - vai saber se chego lá - para escrever minhas memórias. Quero começá-las agora. Pouco me importa se elas não interessam a ninguém... rs
Em ordem não-cronológica: vou falar primeiro do período mais intenso e terrível da minha vida, que foram os anos em que usei drogas. É um espaço de tempo de mais ou menos cinco anos, em que as lembranças embaralham-se, sobrepõem-se, como em um sonho. Creio que o primeiro (ou um dos) contato com as drogas foi nas minhas idas dominicais à Praça da República, desde 4 da tarde até a noite. Antes de descer do ônibus, que no começo me trazia do Conjunto Maguari, subúrbio de Belém, via aquela multidão de tribos por todos os cantos da praça, centenas ou até milhares de pessoas. Aquela visão logo transformava a minha ansiedade por chegar em euforia. Os headbangers destacavam-se na paisagem, por serem a maioria. Mas não eram a minha turma.
Na verdade eu passava pelos metaleiros, e olhava-os com um certo desprezo. Tinha o costume de contemplá-los e tentar adivinhar o que passava por aquelas cabeças via de regra cabeludas. Sempre chegava à conclusão de que eram um bando de cabeças-ocas. Passava direto por eles, como por uma fauna hostil. Chegava ali pelo centro da praça, perto do monumento à República, e encontrava as pessoas que me interessavam: aqueles que sentavam-se em volta de um ou mais violões, tocando e cantando Raul Seixas, Chico Buarque, Cazuza, conversavam sobre arte e entornavam garrafas e mais garrafas "buchudinhas" - uma cachaça bem vagabunda, em vários sabores, mas que era nossa alegria.
Certo dia, morto de trêbado, expressei meus sentimentos em relação aos metaleiros, que tomavam conta da praça. Estávamos só eu e um amigo, o Paulinho, sentados no parapeito do largo central. Não lembro de praticamente nada, só sei que uns quatro daqueles caras passaram a alguns metros de nós, e eu gritei qualquer coisa ofensiva para eles. Por efeito do álcool, ignorava que minhas palavras pudessem gerar alguma reação. Assim como eu falava sem ressentimentos, rindo bastante, achava que eles recebiam com o mesmo bom humor. Essa ilusão se dissipou totalmente quando notei um deles - que naquele preciso instante eu não sabia tratar-se de um deles - vindo na minha direção, com a cara fechada e me ameaçando. Só compreendi melhor a situação quando o Paulinho tomou a minha defesa, rogando por clemência:
- Ele tá bêbado, ele tá muito bêbado... - é o que eu lembro do que ele falava.
Devo ainda ter pedido por calma, ou desculpas, qualquer coisa assim, antes de receber um "tubão" no olho esquerdo, o soco mais inesquecível da minha vida. Paulinho, um cara muito gente boa, amparou-me, enquanto eu repetia, cheio de incredulidade bêbada:
- Ele me deu um soco, cara... ele me deu um soco... - será que eu recebia aquele soco como um troféu da "vida bandida"? Pela forma como eu exibi-o depois para duas meninas que encontramos no caminho, acho que sim. Eu fazia questão de mostrar a prova da aventura - o meu olho inchado.
A essa altura eu já estava preocupado em ir pra casa. Eram umas nove e meia ou dez da noite de domingo, e sempre a essa hora eu já queria o aconchego do lar. Não era como muitos dos meus amigos, - ou como imaginava que eles fossem - os quais não tinham "preocupações pequeno-burguesas", como voltar cedo pra casa. Na família eu tinha a imagem de bom garoto, estudioso e dedicado, e queria preservá-la. Antes, interrompi o consumo de cachaça e maconha, pra que chegasse em casa sem vestígios do "outro" Alan. Tinha a meu favor a longa duração da viagem, cerca de uma hora, que dissipava de vez a "liga". Mas nesse dia, levava pra casa uma evidência mais persistente: o olho, que de inchado, já devia estar roxo. Esquecia desse detalhe.
Bati no cadeado do portão, a luz do pátio estava apagada. Mamãe me recebeu, deve ter reclamado sobre a hora que eu chegava, mas como sempre, me recebeu cheia de afeição materna. Ali devo ter lembrado da "marca" que trazia, e tratei de ir logo para o quarto, sem olhar nos seus olhos. Mas ela percebeu algo de estranho. Veio atrás de mim no quarto, e então percebeu o olho roxo. De quebra, sentiu o cheiro de álcool.
(a continuar)
domingo, 23 de agosto de 2009
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