Temos visto muitos jornalistas brasileiros ainda lamentarem a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de anular a obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão. Sem entrar no mérito da decisão, este está longe de ser o maior dilema que a categoria (?) deveria se colocar, em tempos que a própria noção do que seja um jornalista está mudando radicalmente. O modelo de negócio jornalístico vigente no século XX, e que no começo deste apenas sobrevive, está realmente com os dias contados. Ainda não sabemos o que vem pela frente, mas variadas experiências pelo mundo afora dão uma idéia. Essas experiências têm em comum o individualismo, o associativismo, o colaborativismo, e modelos afins, em oposição ao corporativismo das grandes empresas de comunicação.
Nesse sentido, é preciso refletir se o jornalismo resiste a essa nova realidade enquanto uma profissão, ou se caracterizará como uma atividade militante - não (apenas) no sentido partidário da palavra. Ou seja, se e como será possível viver do jornalismo. Nos Estados Unidos, cuja conjuntura econômica é um termômetro para o resto do mundo, dados recentes reforçam a preocupação: em 2008, os jornais americanos (ou estadunidenses, que seja) demitiram 15.974 pessoas e mais 10 mil na primeira metade de 2009. Vê-se que a continuarem nesse ritmo, haverá mais de 30% de aumento nas demissões. Esses e outros números são citados neste artigo.
Como não poderia deixar de ser, tudo converge para a internet. No ciberespaço pipocam blogs, sites independentes, listas de e-mails, redes sociais, e outras ferramentas que já se tornaram fonte preferencial de informação para muita gente, em especial aquelas pessoas chamadas de "formadoras de opinião". Como se observa em comentários e posts, as notícias veiculadas pelas grandes empresas são vistas com crescente desconfiança e até revolta. E com toda a razão.
É cedo para dizer que a chamada grande imprensa vai desaparecer, dando lugar à hiperpolifonia da internet. Em especial no Brasil, e mais em especial ainda nessas paragens do norte, onde o poder político (que engloba o simbólico, o econômico, e todos os demais) das "pocilgas" ainda é vigoroso. Mas a sugestão que fica para todos nós, que optamos viver do jornalismo, é que procuremos nos posicionar o quanto antes nesse novo mundo, incerto e instigante.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Um pouco de melancolia
Ouça a música aqui.
Te roubaram a calma te arrancaram a calma
Cadê tuas armas, tua guarda, tua defesa
Tua fortaleza, teu mestre, teu guia pra te socorrer da solidão dessa agonia
Passaram-te verniz em torno, botaram tua mão no forno
Fizeram o teu sanghe morno ferver e o teu corpo queimar impregnado de resina
Curumim nacestes pelo capinzal
Choraste na cuia pitinga, no teu sonho colonial
Tingiste o rio qual tabatinga, incendiaste o palmeiral
Te cegaram aos poucos, te tornaram louco
Cadê tuas tropas, tua escolata e teus soldos, teu sonho cabloco, tua valentia
Pra te socorrer da solidão dessa agonia
A febre é de malaria pura, quinino pra tua amargura, delira teu medo às escuras
Que abriram as feriadas tuas, bebendo o leite de aninga
Tapuio cresceste pelo matagal, sangraste qual pé de seringa
Nas brenhas da terra natal, tingistes o rio qual tabatinga, incendiaste o palmeiral
Te seguiram tantos
Te traíram quantos
Cadê tua terra, tua guerra, teu bando
O sonho cabano, tua mais-valia
Pra te socorrer da solidão dessa agonia
Agora o beco é sem saída
Agora a vela está perdida
Agora o fio da tua vida
Puindo vai arrebentar
Na liberdade dessa sina
Cabano morreste como o castanhal
Sangraste qual pé de seringa
Nas brenhas da terra Natal
Bebendo o amargo dessas vinhas
Que vinham lá de Portugal.
Valsa Cabana
(Antonio Carlos Maranhão)
Te roubaram a calma te arrancaram a calma
Cadê tuas armas, tua guarda, tua defesa
Tua fortaleza, teu mestre, teu guia pra te socorrer da solidão dessa agonia
Passaram-te verniz em torno, botaram tua mão no forno
Fizeram o teu sanghe morno ferver e o teu corpo queimar impregnado de resina
Curumim nacestes pelo capinzal
Choraste na cuia pitinga, no teu sonho colonial
Tingiste o rio qual tabatinga, incendiaste o palmeiral
Te cegaram aos poucos, te tornaram louco
Cadê tuas tropas, tua escolata e teus soldos, teu sonho cabloco, tua valentia
Pra te socorrer da solidão dessa agonia
A febre é de malaria pura, quinino pra tua amargura, delira teu medo às escuras
Que abriram as feriadas tuas, bebendo o leite de aninga
Tapuio cresceste pelo matagal, sangraste qual pé de seringa
Nas brenhas da terra natal, tingistes o rio qual tabatinga, incendiaste o palmeiral
Te seguiram tantos
Te traíram quantos
Cadê tua terra, tua guerra, teu bando
O sonho cabano, tua mais-valia
Pra te socorrer da solidão dessa agonia
Agora o beco é sem saída
Agora a vela está perdida
Agora o fio da tua vida
Puindo vai arrebentar
Na liberdade dessa sina
Cabano morreste como o castanhal
Sangraste qual pé de seringa
Nas brenhas da terra Natal
Bebendo o amargo dessas vinhas
Que vinham lá de Portugal.
Valsa Cabana
(Antonio Carlos Maranhão)
domingo, 23 de agosto de 2009
Memórias e impressões
No último post falei sobre uma "necessidade existencial de escrever". Lá se vão quase duas semanas que escrevi aquele parágrafo, e cá está este blog, aparentemente abandonado. Aparentemente, porque o painel está cheio de rascunhos, projetos mal acabados de qualquer coisa. São quase reflexões sobre política, fagulhas de literatura, promessas de desabafos. Mas bem antes do meio do caminho, em uma metáfora do que acontece em minha vida, desisto de seguir adiante. Espero que esse texto tenha um destino diferente. Escrever é muito bom, mas publicar é o que fecha o ciclo. Um texto não publicado é como se permanecesse na cabeça de quem o concebeu. Li isso em algum lugar, não com essas palavras, e concordo com o autor.
Ultimamente sinto-me impelido a um gênero próprio de pessoas mais velhas, que estão mais pra lá do que pra cá: memórias. Não quero esperar os meus sessenta anos - vai saber se chego lá - para escrever minhas memórias. Quero começá-las agora. Pouco me importa se elas não interessam a ninguém... rs
Em ordem não-cronológica: vou falar primeiro do período mais intenso e terrível da minha vida, que foram os anos em que usei drogas. É um espaço de tempo de mais ou menos cinco anos, em que as lembranças embaralham-se, sobrepõem-se, como em um sonho. Creio que o primeiro (ou um dos) contato com as drogas foi nas minhas idas dominicais à Praça da República, desde 4 da tarde até a noite. Antes de descer do ônibus, que no começo me trazia do Conjunto Maguari, subúrbio de Belém, via aquela multidão de tribos por todos os cantos da praça, centenas ou até milhares de pessoas. Aquela visão logo transformava a minha ansiedade por chegar em euforia. Os headbangers destacavam-se na paisagem, por serem a maioria. Mas não eram a minha turma.
Na verdade eu passava pelos metaleiros, e olhava-os com um certo desprezo. Tinha o costume de contemplá-los e tentar adivinhar o que passava por aquelas cabeças via de regra cabeludas. Sempre chegava à conclusão de que eram um bando de cabeças-ocas. Passava direto por eles, como por uma fauna hostil. Chegava ali pelo centro da praça, perto do monumento à República, e encontrava as pessoas que me interessavam: aqueles que sentavam-se em volta de um ou mais violões, tocando e cantando Raul Seixas, Chico Buarque, Cazuza, conversavam sobre arte e entornavam garrafas e mais garrafas "buchudinhas" - uma cachaça bem vagabunda, em vários sabores, mas que era nossa alegria.
Certo dia, morto de trêbado, expressei meus sentimentos em relação aos metaleiros, que tomavam conta da praça. Estávamos só eu e um amigo, o Paulinho, sentados no parapeito do largo central. Não lembro de praticamente nada, só sei que uns quatro daqueles caras passaram a alguns metros de nós, e eu gritei qualquer coisa ofensiva para eles. Por efeito do álcool, ignorava que minhas palavras pudessem gerar alguma reação. Assim como eu falava sem ressentimentos, rindo bastante, achava que eles recebiam com o mesmo bom humor. Essa ilusão se dissipou totalmente quando notei um deles - que naquele preciso instante eu não sabia tratar-se de um deles - vindo na minha direção, com a cara fechada e me ameaçando. Só compreendi melhor a situação quando o Paulinho tomou a minha defesa, rogando por clemência:
- Ele tá bêbado, ele tá muito bêbado... - é o que eu lembro do que ele falava.
Devo ainda ter pedido por calma, ou desculpas, qualquer coisa assim, antes de receber um "tubão" no olho esquerdo, o soco mais inesquecível da minha vida. Paulinho, um cara muito gente boa, amparou-me, enquanto eu repetia, cheio de incredulidade bêbada:
- Ele me deu um soco, cara... ele me deu um soco... - será que eu recebia aquele soco como um troféu da "vida bandida"? Pela forma como eu exibi-o depois para duas meninas que encontramos no caminho, acho que sim. Eu fazia questão de mostrar a prova da aventura - o meu olho inchado.
A essa altura eu já estava preocupado em ir pra casa. Eram umas nove e meia ou dez da noite de domingo, e sempre a essa hora eu já queria o aconchego do lar. Não era como muitos dos meus amigos, - ou como imaginava que eles fossem - os quais não tinham "preocupações pequeno-burguesas", como voltar cedo pra casa. Na família eu tinha a imagem de bom garoto, estudioso e dedicado, e queria preservá-la. Antes, interrompi o consumo de cachaça e maconha, pra que chegasse em casa sem vestígios do "outro" Alan. Tinha a meu favor a longa duração da viagem, cerca de uma hora, que dissipava de vez a "liga". Mas nesse dia, levava pra casa uma evidência mais persistente: o olho, que de inchado, já devia estar roxo. Esquecia desse detalhe.
Bati no cadeado do portão, a luz do pátio estava apagada. Mamãe me recebeu, deve ter reclamado sobre a hora que eu chegava, mas como sempre, me recebeu cheia de afeição materna. Ali devo ter lembrado da "marca" que trazia, e tratei de ir logo para o quarto, sem olhar nos seus olhos. Mas ela percebeu algo de estranho. Veio atrás de mim no quarto, e então percebeu o olho roxo. De quebra, sentiu o cheiro de álcool.
(a continuar)
Ultimamente sinto-me impelido a um gênero próprio de pessoas mais velhas, que estão mais pra lá do que pra cá: memórias. Não quero esperar os meus sessenta anos - vai saber se chego lá - para escrever minhas memórias. Quero começá-las agora. Pouco me importa se elas não interessam a ninguém... rs
Em ordem não-cronológica: vou falar primeiro do período mais intenso e terrível da minha vida, que foram os anos em que usei drogas. É um espaço de tempo de mais ou menos cinco anos, em que as lembranças embaralham-se, sobrepõem-se, como em um sonho. Creio que o primeiro (ou um dos) contato com as drogas foi nas minhas idas dominicais à Praça da República, desde 4 da tarde até a noite. Antes de descer do ônibus, que no começo me trazia do Conjunto Maguari, subúrbio de Belém, via aquela multidão de tribos por todos os cantos da praça, centenas ou até milhares de pessoas. Aquela visão logo transformava a minha ansiedade por chegar em euforia. Os headbangers destacavam-se na paisagem, por serem a maioria. Mas não eram a minha turma.
Na verdade eu passava pelos metaleiros, e olhava-os com um certo desprezo. Tinha o costume de contemplá-los e tentar adivinhar o que passava por aquelas cabeças via de regra cabeludas. Sempre chegava à conclusão de que eram um bando de cabeças-ocas. Passava direto por eles, como por uma fauna hostil. Chegava ali pelo centro da praça, perto do monumento à República, e encontrava as pessoas que me interessavam: aqueles que sentavam-se em volta de um ou mais violões, tocando e cantando Raul Seixas, Chico Buarque, Cazuza, conversavam sobre arte e entornavam garrafas e mais garrafas "buchudinhas" - uma cachaça bem vagabunda, em vários sabores, mas que era nossa alegria.
Certo dia, morto de trêbado, expressei meus sentimentos em relação aos metaleiros, que tomavam conta da praça. Estávamos só eu e um amigo, o Paulinho, sentados no parapeito do largo central. Não lembro de praticamente nada, só sei que uns quatro daqueles caras passaram a alguns metros de nós, e eu gritei qualquer coisa ofensiva para eles. Por efeito do álcool, ignorava que minhas palavras pudessem gerar alguma reação. Assim como eu falava sem ressentimentos, rindo bastante, achava que eles recebiam com o mesmo bom humor. Essa ilusão se dissipou totalmente quando notei um deles - que naquele preciso instante eu não sabia tratar-se de um deles - vindo na minha direção, com a cara fechada e me ameaçando. Só compreendi melhor a situação quando o Paulinho tomou a minha defesa, rogando por clemência:
- Ele tá bêbado, ele tá muito bêbado... - é o que eu lembro do que ele falava.
Devo ainda ter pedido por calma, ou desculpas, qualquer coisa assim, antes de receber um "tubão" no olho esquerdo, o soco mais inesquecível da minha vida. Paulinho, um cara muito gente boa, amparou-me, enquanto eu repetia, cheio de incredulidade bêbada:
- Ele me deu um soco, cara... ele me deu um soco... - será que eu recebia aquele soco como um troféu da "vida bandida"? Pela forma como eu exibi-o depois para duas meninas que encontramos no caminho, acho que sim. Eu fazia questão de mostrar a prova da aventura - o meu olho inchado.
A essa altura eu já estava preocupado em ir pra casa. Eram umas nove e meia ou dez da noite de domingo, e sempre a essa hora eu já queria o aconchego do lar. Não era como muitos dos meus amigos, - ou como imaginava que eles fossem - os quais não tinham "preocupações pequeno-burguesas", como voltar cedo pra casa. Na família eu tinha a imagem de bom garoto, estudioso e dedicado, e queria preservá-la. Antes, interrompi o consumo de cachaça e maconha, pra que chegasse em casa sem vestígios do "outro" Alan. Tinha a meu favor a longa duração da viagem, cerca de uma hora, que dissipava de vez a "liga". Mas nesse dia, levava pra casa uma evidência mais persistente: o olho, que de inchado, já devia estar roxo. Esquecia desse detalhe.
Bati no cadeado do portão, a luz do pátio estava apagada. Mamãe me recebeu, deve ter reclamado sobre a hora que eu chegava, mas como sempre, me recebeu cheia de afeição materna. Ali devo ter lembrado da "marca" que trazia, e tratei de ir logo para o quarto, sem olhar nos seus olhos. Mas ela percebeu algo de estranho. Veio atrás de mim no quarto, e então percebeu o olho roxo. De quebra, sentiu o cheiro de álcool.
(a continuar)
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Início de conversa
Dou voltas e voltas, e sempre chego ao mesmo ponto: tenho necessidade existencial de escrever. Algo(s) debate-se aqui dentro, às vezes furiosa, noutras langorosamente, mas que em todo caso estabiliza-se nesses instantes, em que as palavras surgem no papel ou na tela, como se agissem aqui dentro qual um corpo estranho e infeccioso. Portanto não há um plano traçado para o que será feito desse espaço. O meio e o fim - escrever - confundem-se. Mas acho possível que no fim das contas escrever venha a se tornar um meio para um outro fim. Mas, vejamos.
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